QUAL É O TEU CAMINHO?


"Qualquer caminho é apenas um caminho, e não há ofensa para si ou para outro em abandoná-lo se é isto que o seu coração diz a você...

Olhe para cada caminho bem de perto, estudando-o cuidadosamente.

Experimente-o quantas vezes achar necessário.

Então pergunte a você mesmo, e somente a você mesmo uma questão: "este caminho tem um coração?"

Se ele tem, é um bom caminho; se não tem, é inútil".


D. Juan (Tata Kachorra) - Xamã, mestre de Castaneda

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O LADO ZEN DA ECONOMIA

A monja Coen Sensei aconselha sobre finanças pessoais. Indica reflexão sobre o que o indivíduo quer na vida e uma boa administração da economia. Defende o consumo consciente e a circulação dos recursos.

A monja budista Coen Sensei é a Primaz Fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil, criada em 2001 e hoje  sediada no bairro paulistano do Pacaembu.

É missionária oficial da tradição Soto Shu do Zen Budismo do Japão, país onde morou por 12 anos em conventos, a partir de 1983. Foi a primeira mulher e primeira pessoa de origem não-japonesa a assumir a presidência da Federação das Seitas Budistas do Brasil, por um ano, em 1997.
Falando sobre as verdades simples com desembaraço, costuma ser convidada para palestras de todos os tipos. A reportagem do  Diário do Comércio ouviu seus pensamentos sobre temas como os cuidados com as finanças pessoais, dinheiro, consumo e grifes. Leia, a seguir, entrevista com a monja.

Diário do Comércio – Dinheiro é bom?
Monja Coen Sensei – Não é bom, nem mau. Ele é um meio que escolhemos para fazer trocas. O problema é o apego do ser humano ao dinheiro. Fazer qualquer coisa para tê-lo – bater, matar, mentir –, é aí em que está o mal. A questão é nos libertarmos do apego e nos livrarmos dos excessos. A aversão ao dinheiro é também horrível. Eu conheci um grupo monástico, na Tailândia, de pessoas que fizeram voto de nunca tocar em dinheiro. O grupo estava em extinção. Para viajar, dependia de caronas.

DC – Em que investir?
CS – Na vida, no futuro e no presente. Os investimentos têm que ser feitos hoje para dar lucro no futuro. O que eu faço agora está criando o que virá depois. Vamos ver o que já temos, o que já foi feito de bom – apreciar quanto crescemos e quanto podemos avançar. Sem achar que eu estou separada do todo, porque aí vai haver perdas. Se eu beneficiar um grupo que é maior do que eu, vou ter sucesso. A pergunta importante é "você está satisfeito com o que você é?" Como você quer viver os anos que te restam? Você precisa ser participante, envolver-se com alguma coisa, em algum projeto maior do que o seu mundo pessoal.

DC – Qual a orientação para administrar as finanças pessoais?
CS – É preciso ter muita clareza mental. Você vai investir em uma empresa que dá lucros, só pelo lucro? Ou vai ajudar a empresa que ajuda os colaboradores e ajuda a natureza? É outro lucro, o lucro de investir na melhoria. O pensamento "antigo" do investimento, do tempo em que não se considerava o grupo, a totalidade, tem que ser revisto. Mesmo quem pensa em investir para "os meus", "minha família" precisa aprender que ninguém vive sem os demais. E eu vejo que quem está investindo nesse novo conceito, das empresas conscientes, está tendo bons lucros. A ideia do "retorno" também precisa ser revista – o retorno do bem-estar, do progresso geral, do meio ambiente. Claro que eu preciso ter uma conta bancária. É bonito dizer "não quero cartão de crédito", mas precisamos de crédito. O que não podemos é deixar que o nosso crédito vá por água abaixo.

DC –Como usar bem o cartão de crédito?
CS – Temos que planejar, não podemos ir comprando entusiasticamente para pagar no futuro. A conta vem. "Eu compro isso em dez vezes, aquilo em dez vezes, daí a pouco tem que pagar dez vezes dez vezes. Fica pesado."
Os novos consumidores têm que lembrar dos limites, nada é ilimitado. Respeite os seus limites. Não há nada de errado em querer ter coisas bonitas, mas não é possível copiar o estilo de vida de uma camada social que tem hábitos diferentes e mais caros. Vai parecer uma caricatura. Há casos de suicídios entre homens que não conseguem pagar todas as dívidas que contraíram. Para quê? Se errou, se comprou além do que podia, vamos corrigir o erro, começar do zero. Que vergonha é essa de começar do zero?

DC –Como aumentar o desapego?
CS – Lembrar que nossas riquezas e pobrezas também são temporárias e não é possível preferir uma a outra. Ter alimento, pagar um médico de confiança é importante. Não dá para deixar para a divindade ajudar depois. E o conceito de saúde que eu gosto é o da saúde física, mental e social. Uma boa administração das suas economias é saúde social, que depende da física e da mental, não dá para separar.

DC –A senhora condena o consumismo?
CS – Eu fico contente de ver as pessoas contentes. Fui com a minha netinha ao shopping center e há muita gente, muito movimento. Consumo é feio? Não, tem aspectos muito bonitos. Quantas pessoas estão envolvidas na fabricação de uma simples peça de roupa, desde o que plantou algodão, o que colheu, e também o que cultivou o alimento que foi usado pelo que plantou algodão. É uma rede de pessoas atuando para que um par de meias chegue até você. Então, respeite esse produto, o par de meias, e lembre que você também contribui para a economia nacional.

DC – E o poder das marcas, que seduzem até as crianças?
CS – A publicidade é uma faca de dois gumes. De um lado, nos informa sobre os produtos à nossa disposição e, do outro, nos aprisiona. As crianças já nascem usando marcas que designam esta ou aquela "tribo". É a ideia do pertencimento, de querer pertencer a determinado grupo. Que nós possamos educar os nossos filhos para dar um pulo além – o que é a marca, a grife? O que representa para mim? Vamos pensar em quem são esses grupos que se unem pelas marcas que usam. Até o consumismo é um aprendizado. Você pode até comprar a grife da moda, mas precisa olhar com distanciamento. Saber, por exemplo, que para ser esportista não basta apenas usar a marca X, precisa crescer dentro daquele objetivo, senão vai ser superficial. O hábito não faz o monge. Eu preciso do hábito de monja, mas eu preciso viver e pensar como monja para ser uma, de verdade.

DC –E a frustração de não poder comprar o objeto dos sonhos?
CS – Sofrer por não ter é um desperdício, é uma perda de vida.  Eu não tenho a bolsa da grife tal, mas porque eu quero ter? Para me incluir em que? Uma senhora me disse "eu preciso ter óculos marca tal (caríssimos) para frequentar as reuniões do grupo". Eu respondi "está bem, faz parte dos hábitos do grupo que você decidiu fazer parte, você não pode acabar com as diferenças sociais. Mas onde você se envolve? Você ajuda alguém? Faz algum trabalho voluntário para compensar o seu outro lado?"

DC – Poupar ou gastar?
CS – O caminho de Buda é o caminho do meio. Se penso que vou poupar com exagero e guardar todos os meus recursos, preciso lembrar que o dinheiro precisa circular na economia também. O que é guardado demais apodrece. Do outro lado, é preciso saber gastar sem excessos. O caminho verdadeiro é onde nada falta e nada está sobrando. Mahatma Gandhi dizia que se tivesse alguma coisa a mais do que necessitava, estava roubando. Para nós essa consciência ainda é difícil, mas podemos ter olhos para o bem geral, para o pequeno agricultor que cavouca a terra com esforço produzindo o nosso alimento. No convento japonês em que morei, não podíamos desperdiçar um único grão de arroz. 

DC – A senhora tem um carro novo?
CS – Eu tinha um carro velho e me virava bem com ele. Mas uma aluna me dizia que eu precisava trocar por um novo, que meu carro ia começar a dar muito gasto de oficina. Eu me deixei ser convencida. Comprei um carro novo e fiz uma dívida. Aí fiquei uma semana de mau humor – eu era tão livre sem dívida, porque fui fazer isso? Eu fiquei triste, mas comecei a aprender a apreciar. Tem ar-condicionado, a direção é mais leve para a minha idade... Bem, eu tinha investido em alguma coisa para tornar minha vida mais fácil. É difícil, para alguns, admitir ter um luxo. De qualquer forma, antes eu deixava o carro na rua. Agora fico com medo, tenho de pagar estacionamento.
publicado no Diário do Comercio - em 24/10/2010
Lucy Cintra